“Quando tu olhares nos olhos de outra pessoa e vir tua
própria alma refletida neles, então tu vais me dar razão”, foi o que dissera
sua amiga quando ele debochara da sua nova paixão. Aí ele relembrou, pela
milésima vez naquele dia, dos olhos dela. Olhos inquietos, incertos. Olhos
verdes. Da mesma cor dos olhos dele. No momento que ele os viu, naquele segundo irreal ele soube, por uma
dessas estranhas sensações tão difíceis de explicar, que ali estavam os olhos
que fariam parte dele de forma intensa e decisiva.
Eles já se conheciam há algum tempo. Se conheceram em uma
festa, trocaram telefones. Não era namoro, não era caso, nada. Nenhum dos dois queria um relacionamento sério: chegaram à
conclusão que eram amantes. Ela disse que sempre gostara daquela expressão:
amante. “Namoro é compromisso demais, já imagino jantando em casa, papai e
mamãe do lado.... amante é melhor, não acha?” Ele achou.
Tudo ia muito bem, tudo ia muito bom. Ela era uma garota
legal, como tantas outras. Bonitinha, como tantas outras. Inteligente como
poucas. Sensual como poucas. E arredia como só ela. Se ele ligava muito, ela
sumia por dois, três dias. Não atendia o telefone, não dava qualquer sinal de
vida. Quando reaparecia e ele perguntava o que ela andara fazendo, ela apenas
dizia que ele não gostaria de saber. E apesar da curiosidade, bem no
fundo, ele sabia que realmente preferia não saber.
Então o relacionamento deles era isso: não eram namorados,
tampouco amigos. Ele pensava nela quando passava por uma livraria e lembrava
que ela adorava ler. Ela lembrava dele quando passava por
um cinema e lembrava que ele gostava de filmes alternativos.
E em um dia desses de lembranças, num fim
de tarde clássico de outono, com o sol se pondo, ele resolveu caminhar pelo
parque. Passara o dia todo pensando nela, um pouco mais que o
normal. Talvez fossem os muitos livros que precisava ler para as aulas que
reavivaram a lembrança dela: “se ela me visse reclamando de ter que ler tudo
isso, iria ler e me contar depois”. E enquanto via
pequenos pássaros bebendo água nas poças formadas pela chuva, refletia sobre
ela. Pensava sobre ele. Juntava os dois e imaginava como seria o ‘nós’. E
fantasiava que não somente os amores concretizados, mas também os amores platônicos,
aqueles jamais consumados, as amizades não tão sinceras... todos modificaram a
existência dele, com todos aqueles ardentes sentimentos que teimavam em se
mostrar a todo instante.
E ele se deu conta que em todas essas vezes ele passara a
construir e a viver ingênuas fantasias, ilusões sobre o mundo e os
relacionamentos, que o faziam tão pateticamente feliz! E se deu conta que vivia
tudo novamente. Mas daí pensava porquê não vivê-las. E se respondia que
possivelmente o risco oferecido não compensasse a mágoa que aconteceria.
E entre uma árvore e outra do
parque ele tomou a decisão: falar com ela. Ia decidir que diabos de
caminho esse relacionamento tomaria. Dessa vez ele seria ‘homem de verdade’ e
iria tomar satisfações com ela. Ah, se ia!
E ele foi. Foi atrás dela,
decidido a dizer tudo que há tanto tempo estava trancado dentro do peito.
A noite estava chegando, e ele
sabia exatamente onde ela estaria: sentada na mesa mais ao fundo do bar, lendo.
Foi até lá, tremendo. Poucos metros antes do tal bar já tinha a completa
certeza que tinha enlouquecido, e perdia totalmente a coragem.
Pensava isso, mas inconscientemente ainda caminhava para
dentro do bar, os pés o levavam ao encontro dela. A cena seguinte foi ela
erguendo os olhos por cima dos óculos, deixando o livro de lado e olhando para
ele, com a expressão mais tola de toda sua vida.