segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Só não solta da minha mão

Um dia, um médico muito querido sentenciou a frase: "se você não fosse tão inteligente, não seria depressiva".

Eu tinha 20 anos e havia passado os últimos 3 dias sem tomar banho, sem comer, levantar da cama ou falar com alguém.
Ironia ouvir isso, não? Meu cabelo mal se movia de tanta oleosidade, pesava 45kg (cerca de 30kg a menos de hoje), e já havia parado de menstruar pelo peso baixo. Alguém "tão inteligente" deveria saber que é preciso se alimentar direito, tomar banho, vestir uma roupa bonita e encontrar os amigos para deixar a tristeza de lado.
Só que nada é tão fácil assim.
Tudo começa aos poucos.

Um dia, você se sente um pouco triste. A vida parece parada, você sente vontade de chorar e as conversas com amigos, que eram tão animadas, não te interessam mais.
Então você vai pra casa, se enfia embaixo do chuveiro e chora, chora, chora... aproveita que o barulho da água caindo abafa o som e ninguém sabe o que acontece.
Em um outro dia, você acorda e lembra que precisa ir pra faculdade. Mas aquela aula que antes era tão interessante, perde a graça. Então você decide que é melhor ficar em casa dessa vez, e não precisar encontrar amigos que te convidam pra ir pro bar.
Na semana seguinte, alguém te pergunta porque você anda faltando tanto, se sabe qual é o conteúdo da prova daquele dia, e porque a sua blusa parece um pijama.
Mais alguns dias e você decide que chega!, é hora de tentar voltar pra vida normal. Então finalmente aceita o convite de uma amiga, toma banho, se veste, e até passa um batom. Mas precisa descer do ônibus para sentar no meio fio e chorar porque não lembra qual é o caminho para a casa dela.
Então você desiste.

Volta pra casa, põe o pijama que usou pra ir pra faculdade, deita na cama e tenta chorar. Só que não sai. Não sai mais nada. Você não chora mais, não se desespera, não acha que sua vida é uma droga. Você simplesmente deita e espera. Espera que a vida passe e deixe de doer.

E então, depois daqueles três dias, alguém invade seu quarto e te arrasta para o médico.
Ele olha pra você, te examina, faz perguntas doloridas...e já sabe.
Sim, você é depressiva. Não, você não está com depressão.

A diferença entre o ser e o estar é a grande incógnita para resto do mundo.
Porque é o maior dos clichês, mas só quem já passou por isso sabe como é. Sabe como a vida é mais difícil para quem tem depressão. Sabe como, para nós, a vida dói mais.

Quem tem depressão analisa todos os aspectos. Vira, revira, pensa e repensa. Deixa de lado, diz que não vai mais pensar... e cinco minutos está lá, remoendo mais uma vez.
Quem tem depressão sabe que os momentos ruins passam e um dia o sol aparece. Mas o depressivo se agarra na certeza que um dia o sol vai desaparecer, e aquela dor vai voltar.

Minha família sabe que eu tenho depressão.
Minha mãe e meu noivo entendem. Ela, porque também sofre desse mal. Ele, porque é nada menos que uma alma iluminada e consegue ver dentro de mim.
Meu pai e minha irmã ignoram. Ele, porque apesar de me amar, simplesmente ignora qualquer situação mais grave que aconteça. Ela, porque simplesmente acredita que seja teatro, tentativa de chamar a atenção, fraqueza.

Muito já me revoltei, briguei, sofri e chorei por aqueles que não crêem. Quando essas pessoas estão no círculo que deveria te apoiar, dói mais. Tentei conversar, explicar, mostrei laudos médicos, imprimi estudos clínicos, dei as bulas dos remédios para ler. Quando alguém decide que é melhor não entender o outro, aprendi que é menos doloroso e frustrante deixá-los na ignorância. Um dia, quem sabe, a vida trate de fazê-los entender.

Hoje, se passaram sete anos da descoberta da depressão.
Tive muitos outros episódios nesse tempo. Alguns fortes e destruidores, outros mais discretos.
Eu vivo na certeza que um dia as nuvens vão voltar. A cada dia que acordo e não sinto vontade de levantar, fico analisando se é apenas preguiça matinal ou ela me rondando outra vez.
A cada vez que vejo um animal abandonado e sinto vontade de chorar, mais uma vez páro e penso se é a depressão, ou apenas esse meu coração mole demais.

Viver com depressão é estar alerta que ela pode atacar a qualquer momento.
Viver com depressão é ter a consciência que tudo dói.
Que a vida dói.

Mas enquanto houver a possibilidade de um outro dia de sol... eu vou continuar.
Enquanto houver alguém ao meu lado que eu possa pedir pra não soltar da minha mão.


8 comentários:

  1. Eu sei como é isso.Penso em morrer,em acabar com a dor.Mas eu devo ser otimista demais,pq logo penso que talvez melhore mais para a frente.Mas chegou a um ponto que tenho duvidas se vai melhorar,a fico pensando,sabe,se não estou me iludindo.

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    1. Ro-Chan, lembra sempre que tudo é feito de ciclos. Eles vão, eles vêem.... hoje, estou num momento bom, onde a depressão é uma lembrança chata de alguns meses atrás.
      Acredito que uma das "chaves" é aprender a conviver com ela. Não creio que exista a cura definitiva, e sim que ela sempre fará parte de nós, esperando um momento para voltar a assombrar.
      Eu aprendi a conviver com ela. Entendi que ela estará sempre comigo. Para mim, é mais fácil viver sabendo que sim, ela está ali, mas tento focar no que é bom na vida.
      As dúvidas sempre aparecem, sempre aparecerão. Não tente negá-las... só não dê tanta importância pra isso.

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  2. Esse texto falou de tudo que sinto. Mas agora estou num dos momentos tenebrosos da depressão...e é assim mesmo....pensar demais acaba deixando a gente sensível demais a tudo...aprendi a tomar banho e levantar da cama, mesmo com muita dor...mas não tenho a mínima idéia de como é se sentir feliz.

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    1. Lety... been there, done that.
      O que escrevi é só uma pequena parte. Tive muitos outros momentos tenebrosos. Mas assim é. Eles vêem, eles vão. E um dia tu te dá conta que olha só: tá doendo um pouquinho menos.
      Não existe fórmula mágica, não existe a pessoa perfeita que vai te tirar disso. É o clichê dos clichês: o tempo cura. Aos poucos, bem aos poucos, em momentos que podem parecer imperceptíveis... vai melhorando, vai doendo menos.
      Se continuar doendo, pode vir aqui. Eu te entendo.
      E teu dia de ser feliz vai chegar, assim como o meu chegou (quando eu já tinha perdido todas as esperanças).

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  3. Eu sei exatamente como é isso desde os meus 11 anos de idade. Momentos que vêm e vão. Alguns mais fortes, outros mais amenos. Tem dias em que não tenho vontade de levantar da cama. Outros dias eu me obrigo a levantar e a escovar dentes, tomar banho e pentear o cabelo, embora não escolha uma roupa tão alegre. Depressão é uma nuvem que está sempre ali só esperando pra chover...

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    1. Eu te entendo bem... e só nos resta esperar a nuvem passar, buscando o apoio daqueles que nos querem bem.

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  4. "Tudo dói." Eu sinto assim desde sempre. Mas, na verdade, sempre pensei que fosse "normal". Até conhecer meu atual namorado. Ele tem bipolaridade e foi ele quem me mostrou que eu poderia ter algo mais além de uma "hiper sensibilidade".

    Mas ainda não sei como lidar com isso. Qual médico procurar, se um psicólogo seria suficiente?

    Além disso, ainda existe o fato de ninguém da minha família notar nada. Já passei dias prostrada, mas para eles ignorar é mais fácil. Sei que preciso de ajuda, mas também não tenho voz suficiente para pedir. É uma questão realmente difícil.

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    1. Dé, não sou especialista, mas muito já rodei aprendendo a lidar com a depressão. Procurar um bom psicólogo é um começo. Pergunte a amigos, pesquise na internet e tente. É um início, e ele poderá clarear tua mente sobre o que aconece, como lidar. às vezes, começar com o uso de medicamentos, se vc está em uma crise mis forte, é uma alternativa rápida. Depois, um ciclo de terapias te ajuda a sair do poço sem ficar dependente dessas químicas.

      Eu sei bem como é lidar com uma família que faz de conta que não vê. Mas quem não pode se fazer de cega é você mesma. Vá sozinha, peça a seu namorado, que entende do assunto, que te acompanhe. Só não "deixe pra lá". Procure ajuda sim... o quanto antes. Porque ninguém merece viver em um mundo cinza.

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